CAMPINAS — A partir do ano letivo de 2020, as aulas de inglês passarão a ser obrigatórias para estudantes do 6º ano do ensino fundamental até o fim do ensino médio nas escolas brasileiras. Esse é o prazo estabelecido na implementação da Base Nacional Comum Curricular ( BNCC ), documento aprovado em 2018 que redefine o conteúdo mínimo que os alunos das redes pública e privada deverão aprender em sala de aula.
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Porém, um estudo inédito do British Council, organização internacional do Reino Unido para relações culturais, aponta uma realidade longe da ideal em boa parte da rede pública dos estados brasileiros.
O levantamento, que analisou o ensino do idioma naquelas etapas, foi elaborado com base em dados dos Censos Escolares de 2015 a 2017 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), além de informações de documentos oficiais e entrevistas com especialistas e equipes das secretarias estaduais de educação.
“De modo geral, o inglês é a principal língua estrangeira ensinada, mas há oscilações devido às necessidades. Muitos estados que fazem fronteira com países de língua espanhola optam por ensinar o espanhol ”
O quadro geral que será apresentado nesta terça-feira em Brasília para atores do setor é composto de salas de aula lotadas, sobrecarga de horas de docência com atuação em muitos turnos, pouco tempo para planejamento, falta de interlocução com pares, inexistência ou baixa carga horária de formação continuada, salários baixos e excesso de burocracia.
“Somados, esses fatores acarretam um sentimento de desvalorização profissional e do ensino da língua estrangeira”, diz o relatório.
A partir de sete indicadores (currículo, formação de professores, oferta ampliada de ensino, monitoramento, avaliação, proporção de professores concursados e habilitação em língua estrangeira), a pesquisa atribuiu uma pontuação para cada estado — num total de 21.
Com 19 pontos, o Paraná praticamente gabaritou a “prova” (veja ranking abaixo), enquanto o Rio de Janeiro, onde quase todos os professores possuem graduação em língua estrangeira (98,4%) e trabalham de modo efetivo (99%), ocupa a 9ª colocação, com 11 pontos.
— De modo geral, o inglês é a principal língua estrangeira ensinada, mas há oscilações devido às necessidades. Muitos estados que fazem fronteira com países de língua espanhola optam por ensinar o espanhol — diz Cíntia Toth Gonçalves, gerente sênior para inglês do British Council.
Em Roraima, por exemplo, a proporção de alunos por professor de inglês é de 720 nos final do ensino fundamental, e 680, no ensino médio. A média nacional é de, respectivamente, 143 e 178. No Rio, o índice é de 141 e 180.
Toth defende que, para melhorar esse quadro, os professores devem se dedicar à sua formação durante o horário de trabalho:
— Hoje muitos não são liberados ou precisam usar seu tempo livre para participar dessas atividades.
O diagnóstico da British Council vem à luz no momento em que uma outra pesquisa, da multinacional de educação EF Education First, aponta que o Brasil ocupa a 59ª posição em um ranking de 100 países avaliados, atrás dos vizinhos Argentina, Paraguai, Bolívia e Peru.
Segundo esse estudo, a taxa de conhecimento dos brasileiros passou de 50,93 pontos, em 2017, para 50,10 em 2018, num total de 100 pontos.
A maioria (87%) diz ter pago cursos de inglês após concluírem a educação regular. A cidade brasileira mais bem colocada em um ranking de 100 localidades ao redor do planeta é Brasília, na 59ª colocação. O Rio de Janeiro ocupa o 61º lugar, e São Paulo, o 68º.
Falta de fluência e material didático capenga
Segundo o censo de 2017, a rede pública brasileira tem 62.250 professores de língua inglesa. Menos da metade deles (45,3%) têm formação em língua estrangeira e só 60,7% trabalham em regime efetivo. A maioria é mulher (80,1%), branca (48,9%), com média de idade de 42 anos — o que indica, segundo o estudo, que muitos se aposentarão em curto ou médio prazos.
— Geralmente, os professores não são fluentes no idioma, e o material didático não acompanha a proposta pedagógica da rede —, relata uma professora paulistana que já trabalhou nas redes estadual e municipal da cidade.
Segundo ela, que pediu para não ser identificada, as salas são cheias e com alunos em níveis de aprendizado muito distantes, alguns em fase de letramento.
— Embora estejam cercados pelo inglês, muitos não entendem por que devem aprender um idioma se vivem no Brasil. O inglês, junto com artes, não é encarado como disciplina importante, até pelos gestores das escolas. Mesmo nas particulares — relata.
Atualmente, 1,3 milhão de estudantes brasileiros não têm aulas de inglês nas escolas. Apesar de ter aulas duas vezes por semana, Alvaro, 15, aluno da rede pública estadual em São Paulo, reclama do material didático (apenas um livro) e do método de ensino “repetitivo ou muito raso”.
— Deve-se incentivar os alunos a dominarem o idioma, e a maneira para isso é focando nas áreas para a assimilação. Quem tem condições acaba pagando curso de inglês. O que se ensina nas escolas públicas é insuficiente para o desenvolvimento do cidadão, para vestibulares e para a conquista de bons empregos — diz o estudante.
O que diz o MEC
Em nota, o Ministério da Educação informou que, através do Projeto Forma Brasil Docente, mapeia as necessidades de formação dos professores das escolas públicas da educação básica para “elevar o padrão de qualidade da formação” desses profissionais. O órgão afirmou ainda que os que não têm formação em inglês podem se capacitar por meio de programas da Capes e outros sistemas, incluindo a Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), que oferta os cursos à distância.
No Alemão e na Maré
A baixa pontuação dos estados, porém, não impede que alguns apresentem boas iniciativas, diz Toth. No Rio, um exemplo citado no estudo é o programa de escolas bilíngues Rio Criança Global, implementado em unidades da rede municipal.
Professora de inglês no Complexo da Maré, Gláucia Morais, 31, trabalha no projeto desde quando ele começou, em 2013, em duas unidades: a Escola Municipal Professor Afonso Várzea, no Complexo do Alemão, e no Ciep Glauber Rocha, na Pavuna. Hoje são quase 30.
Filha de um gari e uma merendeira, ambos servidores do município, ela conta que, de tanto ouvir músicas estrangeiras, foi incentivada pela mãe a estudar inglês desde os oito anos.
— Estudei em escola técnica. Meu primeiro emprego foi num banco de investimento, como jovem aprendiz. Nasci no Complexo do Alemão e cresci na Maré, onde sou professora. Tenho um imenso prazer em voltar à minha raiz e poder dar aos meus alunos a mesma oportunidade que eu tive — conta ela, formada em pedagogia e letras, e mestrado na Uerj em linguística.
Gláucia segue levando suas vivências à sala de aula:
— Ensinar a língua inglesa é o que eu amo fazer.