Edição 44

Professor Construir

Avaliação Formativa Reguladora: Intencionalidade,Características e Princípios¹

Janssen Felipe da Silva²

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O objetivo deste texto é trazer alguns elementos teóricos para instigar uma reflexão político-pedagógica sobre a avaliação educacional do ensino-aprendizagem. Reflexão esta que possibilite adentrar nas contradições e assimetrias do cotidiano da escola e da sala de aula na intenção de ressignificar as concepções e as práticas avaliativas. Para iniciar essa discussão, friso que não existe consenso sobre a compreensão do conceito de avaliação educacional do ensino-aprendizagem. Essa área da Ciência da Educação é bastante disputada, tornando-se, cada vez mais, um campo polissêmico. Seu entendimento depende de diversos fatores, entre eles: a concepção de conhecimento, de sociedade, de homem e de mulher, de educação, de currículo, de ensino, de aprendizagem que o(a) profissional da Educação possui. Essas concepções, por sua vez, são influenciadas pelas condições históricas, culturais, epistemológicas e políticas que se respiram.

Por isso, o ato avaliativo é eminentemente político, sempre está alicerçado e a serviço de um modelo de sociedade. Quando esse modelo é neoliberal, a avaliação é classificatória, competitiva e excludente; quando o modelo é não-liberal, a avaliação é educativa, solidária, includente e emancipadora (SILVA, 2007). Consequentemente, o debate acerca da avaliação educacional do ensino-aprendizagem não pode ser visto como um embate meramente técnico, de técnicas avaliativas, mas uma discussão político-pedagógica e epistemológica.

Meu diálogo sobre avaliação está fundado numa perspectiva societal emancipadora (SANTOS, 2000), numa visão pedagógica libertadora (FREIRE, 2002) e numa concepção epistemológica sócio-histórica (MÉNDEZ, 2002; SANTOS, 1999, 2000). Esses elementos constituem meu mosaico interpretativo e propositivo acerca da temática em questão.

Compreendo que a avaliação do ensino-aprendizagem é constituinte e estruturante da ação educativa (SILVA, 2006).A sua razão de ser está em acompanhar se certos objetivos pedagógicos foram atingidos para possibilitar regulações interativas e integradoras. Tais regulações visam re-estruturar a relação entre o planejamento, o ensino e a aprendizagem e a própria avaliação. A dinâmica avaliativa é mediadora do processo de desconstrução e reconstrução da práxis pedagógica.

A avaliação formativa reguladora é um mecanismo integrativo e orientador do trabalho docente e das aprendizagens. Para tanto, é fonte de informações descritivas e interpretativas dos percursos e dos conteúdos de aprendizagens dos “aprendentes”, das situações didáticas e da relação entre ambos.

Dessa forma, a prática avaliativa do ensino-aprendizagem pode ser vista como “um pensar e um agir articulados que andam de par com as intenções do trabalho na escola” (SANTIAGO, 1998, p. 20). Ou, como afirma Hoffmann, é uma “reflexão permanente sobre sua realidade e um acompanhamento, passo a passo, do educando na sua trajetória de construção do conhecimento” (1993, p. 18).

Assim, o fazer avaliativo concretiza-se em função dos objetivos do trabalho pedagógico, isto é, a intencionalidade da avaliação depende da intenção da ação docente como um todo. Portanto, a avaliação não é um processo em si mesmo, não é um fim, por isso não se dá aula para se avaliar ao final, mas se vivencia aula avaliando-se para melhor compreender os limites e avanços constituintes das situações didáticas.

Nessa perspectiva, a avaliação formativa reguladora possui três características básicas: a natureza processual, a diversidade de instrumento e a intencionalidade educativa.

O caráter processual da avaliação parte do pressuposto de que o ato avaliativo precisa acompanhar a relação entre o planejamento, o ensino e a aprendizagem com o objetivo de “sempre informar os sujeitos envolvidos no processo educativo acerca do que vem acontecendo nas suas interações, possibilitando informações para as regulações do trabalho docente e das aprendizagens” (SILVA, 2003, p. 13).

O processo avaliativo gera informações constantes que servem para que professores(as) e “aprendentes” possam refletir e criar estratégias de superação dos seus limites e ampliar suas possibilidades, engendrando uma aproximação entre as formas de ensinar e os estilos de aprendizagem.

A avaliação sendo processual afasta a possibilidade de ser vista e praticada como algo terminal e fragmentado, como ações estanques voltadas para si mesmas numa dinâmica de classificação, de punição e de exclusão. É fundamental que o fazer avaliativo chegue a tempo de favorecer as correções e os ajustes necessários na relação entre o ensino e a aprendizagem. Isto é, “avaliar não é apenas constatar, mas, sobretudo, analisar, interpretar, tomar decisões e reorganizar o ensino” (SILVA, 2002, p. 42).

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Por conta da variedade dos sujeitos, dos cenários e dos conteúdos envolvidos na dinâmica pedagógica, exige-se que a materialização do processo avaliativo seja vivenciada através de uma diversidade de instrumentos. Essa característica favorece a “coleta de um maior número e variedade de informações sobre o trabalho docente e os percursos de aprendizagens” (SILVA, 2003, p. 14) em função de se decifrarem as singularidades dos contextos e dos agentes educacionais. Quanto maiores e mais diversificadas forem as informações coletadas pela avaliação, maior também será a possibilidade de intervenções didáticas que dialoguem com as aprendizagens encontradas.

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Assim, ser processual e diversificada possibilita a concretização da terceira característica, que é ter uma intencionalidade educativa. Avalia-se sempre, sempre para melhorar a qualidade do objeto avaliado. A dinâmica avaliativa precisa gerar constantemente informações para tomadas de decisões que intencionem o aperfeiçoamento do trabalho pedagógico e conscientizem os(as) estudantes de suas produções.

Essas três características possibilitam a compreensão pormenorizada do percurso de aprendizagem do “aprendente” para a regulação do ensino em função das suas necessidades. A avaliação transforma-se em “busca incessante de compreensão das dificuldades do educando e na dinamização de novas oportunidades de conhecimento” (HOFFMANN, 1993, p. 21).

O sentido da avaliação é compreender o que se passa na interação entre o que e como se ensina e entre o que e como se aprende, para uma intervenção consciente e melhorada do(a) professor(a), refazendo seu planejamento e seu ensino, e para que o “aprendente” tome consciência também de sua trajetória de aprendizagem e possa criar suas próprias estratégias de superação. Assim, a avaliação também pode incentivar e subsidiar a metacognição do(a) estudante na medida em que favorece um pensar reflexivo e fundamentado não somente sobre o que se aprende, mas, principalmente, sobre como se está aprendendo.

Nesse prisma, a produção do(a) estudante, inclusive o erro, é compreendida como uma fonte riquíssima de compreensão da dinâmica da qualidade do trabalho pedagógico e do caminho de aprendizagem discente. Mapear a reação do “aprendente” à intervenção docente é a razão de ser do processo avaliativo em sala de aula. Esse mapeamento tem como fim produzir informações que sejam úteis para a diversificação didática sintonizada e proximal das necessidades dos(as) educandos(as). Ou seja, quanto mais o(a) professor(a) “conhecer as formas pelas quais os(as) alunos(as) aprendem, melhor será sua intervenção pedagógica” (SILVA, 2002, p. 41).

A intencionalidade e as características da avaliação
formativa reguladora estão alicerçadas em alguns princípios, entre os quais destaco: a negociação, a pertinência socioepistemológico-cognitiva, o formativo, o emancipador e o ético. A negociação diz respeito à necessidade de transparência no processo avaliativo para se evitarem possíveis autoritarismos por parte dos(as) professores(as) e para considerar e se aproximar da multiplicidade de aprendizagem dos(as) alunos(as). Esse princípio também amplifica os sujeitos e os objetos do processo avaliativo. Os sujeitospassam a ser o “aprendente”, a sua classe, o(a) professor(a) e a equipe docente; os objetos da avaliação ficam sendo o trabalho do(a) professor(a) e da equipe a que pertence e a aprendizagem do(a) aluno(a) e de sua classe (ZABALA, 1998). Esses sujeitos debatem em torno dos critérios, dos objetivos, dos conteúdos e dos procedimentos do processo avaliativo, estabelecendo, assim, a dinâmica e a intencionalidade da avaliação.

A pertinência socioepistemológico-cognitiva refere-se à necessidade de o processo e os instrumentos avaliativos respeitarem a natureza dos conteúdos ensinados e os níveis parciais de aprendizagem, de desenvolvimento dos(as) aprendizes e as singularidades contextuais do cenário educativo. É relevantemente pedagógico manter uma possível simetria didática entre os conteúdos curriculares, as potencialidades de aprendizagem dos(as) alunos(as), a realidade vivida e o planejamento e a efetivação da ação avaliativa.

O formativo versa que a dinâmica da avaliação deve proporcionar uma retroalimentação do trabalho pedagógico no sentido de favorecer o permanente desenvolvimento social, cognitivo e afetivo do “aprendente”. Isso só é possível graças à natureza constante descritivo-interpretativa do processo avaliativo, cruzando e regulando o trabalho docente na perspectiva de colaborar para sua contínua desconstrução e reconstrução em função do crescimento do(a) aluno(a).

O emancipador trata de que o planejamento e a prática avaliativa precisam ser norteados por um projeto político-pedagógico que vise contribuir, através de situações didático-pedagógicas, para a emancipação dos sujeitos. Situamos a avaliação numa “vertente político-pedagógica em que o interesse primordial é emancipador, ou seja, libertador, visando provocar a crítica, de modo a libertar o sujeito de condicionantes deterministas” (SAUL, 2000, p. 61).

O ético defende que a avaliação do ensino-aprendizagem, para ser educativa, precisa ser justa e estar a serviço de quem aprende, de seu desenvolvimento integral.

Para que a avaliação atenda à sua dimensão ética, é fundamental responder: Por que avaliar? Para que avaliar? Quem são os destinatários e quem são os que se beneficiam com as práticas de avaliação? Quais usos fazem, os professores, da avaliação? Quais usos fazem, os alunos, da avaliação?

Para que lhes serve? Que funções realmente desempenha? Quem utiliza os resultados da avaliação além do imediatismo da sala de aula? O sistema de avaliação vigente assegura a qualidade da aprendizagem e a qualidade do ensino? Assegura também a avaliação justa, além de objetiva, dos alunos? (MÉNDEZ, 2002, p. 56).

A consideração desses princípios colabora para evitar o distanciamento do caráter educativo que a avaliação do ensino-aprendizagem precisa ter. Em outras palavras, ajuda a ir além da tradição de uma prática avaliativa punitiva e excludente que tanto está presente nas salas de aula e que tanto se faz imperativo superar.

Ressalto que a prática avaliativa do ensino-aprendizagem depende ainda das condições de trabalho dos(as) professores(as), como também da qualidade de sua formação inicial e continuada. Uma aproximação dos(as) docentes da perspectiva da avaliação educacional formativa reguladora exige dos sistemas de educação comprometimento com a melhoria das condições de trabalho, o reconhecimento e o desenvolvimento de políticas de valorização profissional e de formação daqueles(as) que estão no chão da escola, melhor dizendo, que estão inseridos nas contradições, nas assimetrias e nas ambivalências da sala de aula, principalmente da escola pública de periferia.

¹ Texto inicialmente publicado no livro organizado pela Professora Maria Helena da Costa Carvalho intitulado Avaliação da Aprendizagem: da Regulação à Emancipação – Fundamentos e Práticas. Recife: Bagaço, 2006.

² Professor adjunto e coordenador do curso de Pedagogia do Núcleo de Formação Docente do Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Membro do Núcleo de Formação Continuada Didático-pedagógica dos Professores da UFPE (Nufope). Pesquisador do Grupo de Pesquisa, Formação de Professor e Profissionalização Docente do Núcleo de Formação de Professores e Prática Pedagógica do Programa de Pós-graduação do Centro de Educação da UFPE. Representante estadual da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). E-mail: janssenfelipe@hotmail.com.

Referências Bibliográficas

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HOFFMANN, Jussara. Avaliação, Mito e Desafio: uma Perspectiva Construtivista. Porto Alegre: Educação e Realidade Revistas e Livros, 1993.
MÉNDEZ, Juan Manuel. (Trad. Magda Schwarzhaupt Chaves). Avaliar para Conhecer, Examinar para Excluir. Porto Alegre: Artmed, 2002.
SANTIAGO, Maria Eliete. A Avaliação da Aprendizagem e do Trabalho de Ensino como Processos de Reflexão, Decisão e Ação Coletiva: uma Experiência Desejada. In: Proposta Curricular Ensino Fundamental da 1ª à 4ª série. Prefeitura Municipal de Camaragibe, Pernambuco, 2000.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: Contra o Desperdício da Experiência. São Paulo: Cortez, 2000.
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SAUL, Ana Maria. Avaliação Emancipatória: Desafio à Teoria e à Prática de Avaliação e Reformulação de Currículo. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
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ZABALA. A. Avaliação. In: ZABALA, Antoni. A Prática Educativa: Como Ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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