A confirmação da demissão por justa causa pelo Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR) ocorreu em razão de uma situação constatada no Dia Internacional da Mulher em uma distribuidora de cosméticos de Curitiba, empresa na qual o representante comercial ocupava o cargo de gerente. Segundo a ação, o superior deu ração de cachorro como presente para as subordinadas no dia 8 de março de 2021.

A decisão final foi proferida pela 2ª Turma de Desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR). Além da ação que tramitava na Justiça do Trabalho contra o ex-gestor, também havia uma ação movida pelo ex-funcionário com a justificativa de pedido de reconhecimento de vínculo empregatício pela empresa, além do pedido de reversão da decisão de demissão por justa causa. Segundo o ex-gerente, ele foi contratado como pessoa jurídica, mas pediu o reconhecimento de relação trabalhista. Nesse caso, o juiz de 1ª instância reconheceu o vínculo empregatício entre agosto de 2020 até fevereiro de 2021.

Em relação à demissão por justa causa, o ônus da prova era da empresa, que tinha a responsabilidade de provar as alegações em juízo, ou seja, comprovar que o fato ocorreu, e incluiu no processo um arquivo de vídeo, além de apresentar uma testemunha. Nas imagens, o representante comercial apareceu entrando na empresa com um pacote de ração para cachorro e a testemunha confirmou que o ex-gerente ofereceu o pacote de ração para um grupo de, pelo menos, quatro funcionárias como presente pelo Dia Internacional da Mulher. Esse fato não foi questionado pelo ex-funcionário, que não apresentou nenhuma prova em sentido contrário.

Diante dessa situação e da análise dos fatos, a sentença confirmou a dispensa por justa causa. Na decisão de 1º Grau, consta que “as vítimas compreenderam o ato como uma insinuação, como se elas fossem ‘cachorras’”.

O caso tramitou na 17ª Vara do Trabalho de Curitiba em 1ª Instância. O autor da ação ainda tentou modificar a decisão por meio de recurso, que foi julgado pela 2ª Turma, pelo relator, o desembargador Célio Horst Waldraff, atualmente presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, que confirmou a sentença decretada em 1º Grau e ainda acolheu o recurso da empresa, que não precisou pagar férias proporcionais e nem 13ª salário proporcional.

O desembargador-relator declarou em sua decisão que “há a necessidade urgente de se enfrentar hierarquias estruturais que, costumeiramente, destinam à figura feminina um papel marginalizado na sociedade em geral e no próprio ambiente laboral. Tudo isso é reflexo do machismo estrutural. O preconceito contra as mulheres é a causa de atos e condutas discriminatórias de gênero, como a praticada pelo reclamante”.

O julgamento na 2ª Turma ocorreu em agosto de 2022. Em setembro de 2023, o caso teve a execução cumprida e foi arquivado.

A advogada trabalhista, Jane Salvador, mestre em Direito pela PUC-PR, falou sobre algumas possibilidades de demissão por justa causa que constam na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O empregado perde alguns direitos como o aviso prévio, multa de 40% do fundo de garantia, não pode sacar o FGTS e não pode solicitar o seguro-desemprego.

Também há outras situações que podem levar à demissão por justa causa que estão definidas no artigo 482 da CLT.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o “Protocolo para julgamento com a perspectiva de gênero 2021”, que é uma orientação para todos os ramos do Poder Judiciário e deve ser observado não apenas nos casos em julgamento mas também no próprio decorrer do processo.

De acordo com o desembargador Célio Horst Waldraff, o protocolo busca julgamentos imparciais, nos quais as diferenças e desigualdades estruturais entre homens e mulheres devem ser levadas em consideração. “É procedimento fundamental para eliminar todas as formas de discriminação contra a mulher. A finalidade é a de se suprimir os estereótipos e, sobretudo, assegurar que o sistema de Justiça tome em consideração a ‘questão da credibilidade e do peso dado às vozes, aos argumentos e depoimentos das mulheres, como partes e testemunhas’”, afirmou o desembargador na decisão.